sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Os livros e o Natal

Correspondendo ao pedido  pela  Biblioteca Escolar Manuel Alegre, e com a cumplicidade da professora de Português, Irisalva Carvalho, a aluna monitora da BE Maria João Santo, nº  30 do 10º A, redigiu o texto que apresentamos:


Já tinham passado alguns dias. Continuava ali no escuro do sótão: aberto e entalado sobrevivia num baú de velhos álbuns de fotografia. Onde só se ouviam os barulhos do piso de baixo, mas abafados como se estivessem muito longe de todo este mundo.
Um dia, ouvi um ruído mais vivo, um som metálico, um trinco. Antes que pudesse perceber o que se estava a passar as luzes acenderam e olhei à minha volta de olhos semicerrados para me conseguir habituar à claridade. Percebi a silhueta de uma menina cada vez mais nítida: de cabelos loiros e ondulados, olhos cor de avelã. Devia ter os seus seis, sete anos. O seu olhar parecia procurar alguma coisa. Estudava cada caixa poeirenta do sótão antigo e desgastado. De repente, os seus olhos pousaram numa grande caixa de cartão, daquelas caixas que serviram outrora para colocar eletrodomésticos novinhos em folha. Num dos lados da caixa, escritas numa letra apressada com um marcador preto grosso estavam as palavras “Decorações de Natal”. Logo reconheci aquela palavra que constava também da minha capa de feltro vermelho em letras douradas e desenhadas a rigor. Antes que pudesse pensar noutra coisa, as mãos de prata da rapariguita acariciaram as minhas folhas amareladas e a cheirar a mofo. Com um puxão fui libertado da minha semi-prisão do baú e agarrado com firmeza nas mãos da menina. Com cuidado, passou a mão pequenina pelas letras douradas do título. Sorriu e desceu as escadas. Lá, cheirava a biscoitos de gengibre e o calor vindo de uma grande lareira era acolhedor. Sentia-me mu8to melhor do que quando estava naquele sótão frio. Fui levado por um grande corredor até um quartinho decorado a cor-de-rosa. Tinha um tamanho razoável para uma menina de seis anos. No chão viam-se espalhados alguns brinquedos. Ela sentou-se na cama e depois, com um brilho de emoção nos olhos abriu-me. Folheou as minhas páginas parando de vez em quando nos desenhos a aguarela. Não me consegui conter: “Olá!”. Com um safanão fui largado acabando por cair. Decidi, então, insistir numa tentativa de acalmar a rapariguita: “Não tenhas medo, não te vou fazer mal.”. O olhar aterrado pareceu desvanecer aos poucos, dando lugar à curiosidade.
- Quem és tu? – perguntou na sua vozinha terna com um tom infantil.
- Eu? Eu sou um livro!
-Ahahah… Isso eu já sei… Mas és um livro de quê?
- Eu sou um livro de contos. De contos de Natal.
- A sério? E contas histórias sobre o menino Jesus e a sua mãe virgem Maria?
- Sim, mas também sobre candelabros de 9 velas, botas cheias de guloseimas e lamparinas alimentadas a óleo de mostarda.~
- Mas isso não são contos de Natal!
- Ai não? Então achas que o Natal é só para aqueles que celebram o nascimento do menino Jesus?
- Sim! Para que mais poderia servir? Para além das prendas, é claro!
- O Natal serve para abrirmos os nossos corações e darmos um bocadinho deles aos outros. Serve para recompensar os que foram corretos e…
- Ah mas esse é o trabalho do Pai Natal! - interrompeu a voz imatura.
- Todos nós podemos ser Pais Natal e vez em quando e, principalmente, em alturas como estas e dar algo que os outros precisem.
- Então donde vêm essas histórias todas?
- Vêm da Índia, da Judeia ou até mesmo de Portugal. Pode não ser o Natal que celebras, mas todos os povos do mundo têm uma festa de dedicada à generosidade.
- Olha que tu até tens razão… Se tens histórias tão fantásticas como é que foste parar ao meu sótão?
- Sabes, há muitas pessoas que não aceitam tão bem essa ideia de haver mais Natais para além do nosso, como tu. Para essas pessoas as minhas histórias não estão corretas e, por isso, há muito tempo, atiraram-me para o teu sótão.
- Mas se o Natal é uma altura de dar e receber, todos nós deveríamos ter o direito a isso.
- Pois, mas na realidade não é bem assim.
-E não te sentiste sozinho lá no frio do sótão?
- Sim, muito triste. Eu quero ser lido por muitos e meninos e meninas como tu para eles poderem conhecer o verdadeiro significado do Natal.
- Ah! Eu sei de um sítio assim! Na biblioteca da minha escola há prateleiras cheias de livros e cada um conta uma coisa diferente. Por acaso não achas que poderias lá estar?
- Eu gostava muito! Mas porquê?
- Bem, é Natal e esta conversa sobre dar um bocadinho de nós aos outros, deu-me vontade de te levar para lá para que inspires mais rapazes e raparigas.
Eu olhei-a com um sorriso n capa e antes que pudesse dizer mais alguma coisa a mãe da rapariguita entrou no quarto.
- Mãe! Mãe! Podemos levar este livro que eu encontrei no sótão para a biblioteca? – perguntou entusiasmada a menina.
- Claro, filha – a mãe sorriu e passou-lhe a mão pelos caracóis- mas agora vai lavar as mãos para ires jantar – e saiu do quarto. A pequena olhou-me mais uma vez.
- É verdade, não sabes quem te atirou para o sótão? – perguntou.
- Ah, era uma senhora chamada Assunção.
- Mas essa é a minha avó…”


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